sexta-feira, abril 21, 2006

Jardinagem

Aqui no PN cuidam do jardim como um cuidado exímio. Todos os dias, as senhoras jardineiras da junta de freguesia escavam a terra, limpam ervas, plantam flores, conversam sobre a chefe e fazem contas à vida. Todos os dias de manhã cheira a relva acabada de cortar, a estrume de vaca (ou cavalo) e há movimentações frenéticas à volta do jardim, que rodeia a igreja e o coreto. Nas últimas eleições, a recuperação deste último foi promessa política de candidatos com ar de velhinhos simpáticos. Não ganharam. Só gostava que, a juntar ao cuidado extremo que têm com o jardim, a junta de freguesia tivesse também vontade de remendar o chão. Não é bonito ter flores lindas rodeadas de lages partidas. Porque é que deixamos sempre tudo a meio?

terça-feira, abril 18, 2006

Coisas simples

Fui a um casamento que seria igual a muitos outros se o noivo não estivesse numa cama de hospital totalmente paralisado. Apesar dos tubos, garrafas de oxigénio e médicos que o rodeavam, estava feliz. Disse da melhor forma que pôde que quer amar e respeitar para sempre a esposa, nos bons e nos maus momentos. A noiva estava radiante, consciente da luta que está a travar, mas feliz por estar ao lado de quem ama.
Os dois, juntos, conseguiram ver as coisas simples, as que interessam mesmo. E eu sinto-me orgulhosa por poder assistir a estes momentos de cumplicidade.

quinta-feira, abril 13, 2006

Pecados

Antes de mais, um obrigado aos jornalistas, bombeiros, médicos, funcionários públicos, pedreiros, domésticas e comerciantes que nunca assinam livros de ponto e se escapam para umas mini-férias. Agora, um ponto de exclamação bem reforçado para a nova lista de pecados, hoje divulgada pelo Vaticano que eu aqui adapto livremente e à minha maneira:

Não lerás jornais em demasia
Não consultarás páginas na Internet
Não ligarás a televisão e assisitirás à Floribela
Não terás conhecimento e cultura em excessso
Não serás inteligente e culto
O teu livro de cabeceira será a Bíblia, e só a Bíblia.

É por estas e por outras que deixei de ir à missa. Apesar de continuar a ter fé.

terça-feira, abril 11, 2006

Meter o nariz

Às vezes ponho o nariz onde não sou chamada. É mais forte do que eu. Sinto logo uma espécie de comichão no cérebro e a língua dispara sem me dar tempo para grandes reflexões. Às vezes mais valia estar caladinha... Mas como é que se consegue aguentar uma coisa que é, ao mesmo tempo, tão física? É como se o próprio corpo quisesse falar por si, como se não fosse o meu cérebro a comandar a sala de operações.

sexta-feira, abril 07, 2006

Cabeleireiro

Fui ao cabeleireiro. As clientes eram quase todas velhotas, com os seus 65 anos marcados no rosto e os cabelos ralos e cinzentos. Sentada ao meu lado, uma das senhoras contava que tinha acabado de ter mais um neto. "A burra pariu um burro", declarou com ironia. Mas era mesmo verdade. Ela tem dois cavalos e três burros. A melhor parte é que fiquei a saber que esta é a mesma senhora que levou um burro com um cachecol da selecção para a porta da Academia de Alcochete quando nos nossos jogadores estavam aí a treinar. Viver no campo é emocionante.

terça-feira, abril 04, 2006

Coisas boas

Este texto é uma fotografia. Vê-se uma gargalhada imensa, que atravessa o rosto de um lado ao outro e os olhos encolhem-se, empurrados pelas bochechas. Aconteceu-me uma coisa que já esperava há muito tempo. Uma coisa boa.

segunda-feira, abril 03, 2006

Em repeat

Epitáfio (Titãs)

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são

Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr

Acordar

O despertador ainda não tocou mas eu já estou a ouvir a vizinha de baixo a levantar as persianas. Depois de bater com força os estores, vai à casa de banho e puxa o autoclismo. Toma banho durante meia hora e, provavelmente depois de tomar o pequeno almoço, sai do prédio. O trinco da fechadura ouve-se em todos os andares. Acabei de ouvir a porta a bater.
Cá no prédio damo-nos todos bem. Ou melhor, decidimos tomar todas as decisões por unanimidade. Se um de nós não estiver satisfeito, os outros aceitam. Tem resultado até agora porque não há conflito de interesses, mas é óbvio que esta não será uma paz duradoura.
Agora é a outra vizinha que acorda e abre a persiana. Hoje acordei cedo e não consigo voltar a adormecer.
Morar num apartamento implica partilhar hábitos íntimos que até chegam a ser assustadores. Eu não quero, mas sou obrigada a conhecer os passos de quem entra e sai, de quem puxa o autoclismo, de quem demora mais ou menos tempo a tomar banho. Vivemos em comunidade, mas fingimos distância uns dos outros, dando o espaço essencial para viver em paz. Dizemos "Bom dia", trocamos dois dedos de conversa, e vamos à nossa vida. Mas sabemos que a vizinha nunca põe música aos altos berros e gosta de lençóis cor-de-rosa.
Cá no prédio só vivem mulheres. Excepto eu e o N. que somos o único casal representado. Nas reuniões de condomínio, que são feitas em casa do administrador, nunca há discussões. A não ser que esteja presente alguém que não faz parte desta comunidade improvisada. Como o proprietário do restaurante que insiste em gabar-se da sua inteligência, menosprezando a dos outros. Às vezes, como hoje, só queria ter sono outra vez para não ouvir a vida das minhas vizinhas.